Kiyoshi Harada
Na reunião do Grupo de Trabalho constituído pelo Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário – IBEDAFT – foi discutida a aprovada a proposta por nós apresentada, alterando parcialmente a Emenda Constitucional nº 132/2023 a fim de assegurar a plena autonomia financeira aos estados e municípios, bem como para minimizar os custos de arrecadação do IBS.
Transcrevemos a seguir a íntegra o anteprojeto de PEC precedido de exposição de motivos.
Exposição de motivos da PEC que altera parcialmente a reforma tributária aprovada pela EC nº 132/2023
A PEC visa restabelecer a plenitude da autonomia político-administrativa dos estados e municípios prevista no art. 18 da Constituição Federal, assegurada em nível de cláusula pétrea (inciso I do § 4º do art. 60 da CF), sem depender de um órgão federal para a percepção das receitas que lhes cabem.
Não há nem pode haver autonomia político-administrativa sem a autonomia financeira representada pelo poder de instituir privativamente os impostos previstos na Constituição.
O art. 1º desmembra o IBS dual em IBS estadual (IBS-E) e em IBS municipal (IBS-M).
O art. 2º defere competência aos estados, Distrito Federal e municípios para instituir de forma privativa os impostos previstos no art. 1º.
Os arts. 3º e 4º definem o campo de incidência dos impostos referidos no art. 2º.
O art. 5º prevê alíquotas uniformes para todos os bens e serviços, facultada a seletividade de alíquotas em função da essencialidade dos bens e serviços.
O art. 6º substitui com vantagem o Comitê Gestor – CG – pelas administrações tributárias dos estados, do Distrito Federal e dos municípios que vêm arrecadando com eficiência os tributos previstos no sistema tributário instituído pela Constituição de 1988.
Por fim, o art. 7º encurta o tempo de transição do sistema atual para o novo sistema tributário, em razão da extrema simplicidade do sistema tributário proposto.
Por outro lado, a PEC objetiva eliminar o altíssimo custo de arrecadação e distribuição do IBS dual pelo Comitê Gestor – CG – mediante a utilização de órgãos administrativos tributários existentes na estrutura administrativa tributária dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, para fiscalizar e cobrar, administrativa ou judicialmente os tributos que lhes cabem nos termos da Constituição.
A estrutura para cobrança e distribuição do produto da arrecadação do IBS dual pelo Comitê Gestor é extremamente dispendiosa.
No exercício de 2025 é previsto o aporte de recursos pela União de R$ 600 milhões; no exercício de 2026, R$ 800 milhões; no exercício de 2027, R$ 1,2 bilhão e no exercício de 2028, outros R$ 1,2 bilhão totalizando R$ 3,8 bilhões a serem devolvidos pelos estados, Distrito Federal e municípios, a partir de 2029 significando o endividamento dos estados e municípios antes de entrar em vigor o novo imposto, o IBS dual.
E mais, se já temos a estrutura tributária dos estados, do Distrito Federal e dos municípios para fiscalizar e arrecadar, de comprovada eficiência ao longo das décadas, não há nenhuma razão para conferir o poder de arrecadar e distribuir o produto da arrecadação do IBS a um órgão federal, sem nenhuma tradição na área, indo de encontro ao disposto no art. 37, inciso XXII da CF que exige a participação apenas de servidores efetivos de carreiras específicas para integrar as administrações tributárias dos entes federados.
Outrossim, o Comitê Gestor está encontrando dificuldades, somente agora percebidas, na sua instalação por conta da indefinição do critério de nomeação dos 27 representantes municípios dentre os 5.569 municípios o que, por si só, revela não se tratar o Comitê Gestor de um órgão paritário. Enquanto todos os estados são representados no CG, os 5.569 municípios são representados por somente 27 membros. Todos os municípios deveriam estar representados nesse CG. Dir-se-á que isso tornaria muito complexo e de difícil operacionalização.
Pergunta-se, o que há de simples e de fácil compreensão e operacionalização nesse IBS dual implantado pela EC nº 132/2023 que contém 491 normas e sua regulamentação que contém cerca de 1.000 normas? Toda a reforma implantada pela EC nº 132/2023 está voltada para a complexidade e dubiedade, na contramão do alegado pilar da simplicidade. Onde foi possível complicar o legislador complicou e plantou a semente da confusão, comprometendo a segurança jurídica.
Fontes ligadas ao Judiciário preveem a triplicação de litígios tributários com a entrada em vigor da reforma tributária aprovada pela EC nº 132/2023, a acarretar a criação de mais órgãos no Poder Judiciário para dar conta da demanda.
O STJ provavelmente terá que criar uma Turma Especializada em questões oriundas do IBS dual, tudo na contramão da reforma administrativa que prevê enxugamento de despesas de pessoal, como se não bastassem os preenchimentos de vagas no CG referentes aos cargos na Presidência do órgão, na Secretaria Geral, na Corregedoria Geral e nas 9 Diretorias Regionais, tudo ao contrário dos objetivos buscados pela reforma administrativa para diminuir os encargos de pessoal.
Enfim, o sistema criado pela EC nº 132/2023 que permite ao órgão arrecadador apropriar-se de parte do produto da arrecadação do imposto (60% em 2026 e 50% em 2027/2028) é impar no mundo. O custo de arrecadação de tributos insere-se no âmbito dos serviços gerais do Estado, dentre os quais, os de arrecadação tributária que são prestados com os recursos provenientes de impostos em geral, na forma da Lei Orçamentária Anual. É o que se depreende da noção elementar de finanças públicas. Por isso, o imposto é a única espécie tributária desvinculada de qualquer atividade do Estado. Daí, também, a regra do art. 167, inciso IV da CF que proíbe a vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesas.
O anteprojeto da PEC apresentado objetiva restabelecer a normalidade institucional da Federação Brasileira e devolver aos estados e municípios o poder de instituir, fiscalizar e cobrar administrativa e judicialmente os tributos que lhes cabem.
Outrossim, elimina a necessidade de longos anos de transição que gera complexidade e insegurança jurídica operando com dois sistemas tributários de forma simultânea, pois os estados e os municípios, assim como o Distrito Federal já têm estrutura administrativa tributária para fiscalizar e arrecadar os tributos de suas respectivas competências, como vêm fazendo ao longo das décadas, sem necessidade de aumentar os seus quadros de pessoal.
Proposta de alteração parcial da EC nº 132/2023
PEC nº _____/2025
Procede a alteração parcial da EC nº 132/2023 a fim de restabelecer em sua plenitude a autonomia político-administrativa dos estados e municípios e eliminar o altíssimo custo de arrecadação do IBS dual.
Art. 1º O IBS dual fica desmembrado em IBS estadual – IBS-E – e em IBS municipal -IBS-M.
Art. 2º Os estados, o Distrito Federal e os municípios instituirão o IBS-E e o IBS-M de forma privativa, nos limites da competência tributária desenhada pela Constituição.
Art. 3º O IBS-E incidirá sobre operações relativas à circulação de Bens e Serviços de transportes intermunicipal e interestadual e o de comunicação.
Art. 4º O IBS-M incidirá sobre bens e serviços de qualquer natureza definidos em Lei Complementar.
Art. 5º As alíquotas dos impostos previstos nos artigos 3º e 4º serão uniformes para todos os bens e serviços, facultada a adoção de alíquotas seletivas em função da essencialidade dos bens e dos serviços.
Art. 6º O Comitê Gestor fica substituído pelas administrações tributárias dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Art. 7º Esta Emenda entrará em vigor decorridos 90 (noventa dias), a contar do exercício subsequente ao da aprovação desta Emenda Constitucional.
* Texto publicado no Migalhas, edição nº 6.117, de 10-6-2025.